Faz sete anos que publiquei o texto "Na Linha do Horizonte..." (BRAZIL, 2013) e ao revisitá-lo fui capaz de observar parte de minha jornada e como meu modo de ser/estar/sentir mudou.
Hoje, com a arte, navego em novas camadas de sentido da vida, do entendimento do eu e do outro. As relações perversas oriundas do (pré)conceito e estigmas sociais não vão sumir como em um passe de mágica, mas hoje, fortalecida, sou capaz de superar a maioria delas. Posso afirmar que minha capacidade criadora tem potência inimaginável, o que me torna forte e capaz de superar as agruras do mundo, visto que o mundo não é linear e que é possível fazer a mesma coisa de diversas formas, usando diferentes materiais e perspectivas. Através da arte me desafio e me conquisto em um diálogo interno.
Republicar o texto de 2013 fez com que eu repensasse sobre os momentos em que cada pessoa está e, com isso, entendi que não devemos estagnar nossa mente, mas é imprescindível reelaborar e ampliar nossa percepção sobre nós e o mundo, que, na minha opinião, é condição sine qua non para construção de uma vida socialmente mais justa, livre e plena.
Vamos ao texto original...
Na semana passada, conversando com um amigo, ele me disse, mais ou menos assim: mas o que importa é que você está feliz agora. – Feliz!?, pensei, mas eu não me sinto feliz. – Imediatamente enviei para ele um dos textos que postei aqui sobre a felicidade. Com isso ele pediu que enviasse os outros textos. O último que enviei foi o Vamos a Andrômeda? E ao terminar de lê-lo a resposta que recebi foi:
“Lendo seus textos é que realmente consigo entender o que você sente. Muito angustiante, não sei o que responder ou comentar. Realmente a força dos 'padrões da sociedade' é quase invencível. Mas eu disse 'quase'. 'Aff', quem sou eu para afirmar qualquer coisa em relação à isso, mas acredito que não há outro caminho se não enfrentar os estigmas, ou, pelo menos, desafiá-los, do jeito que você faz, com afinco.
Esse 'confronto' será sempre o tema principal do seu dia a dia, seu inimigo nº 1, mas se não puder vencê-lo, não dê colher de chá para ele, ao menos incomode-o!” (SIC)
Este amigo é advogado e um sujeito muito alto astral e, quando trabalhávamos juntos, sentávamos um do lado do outro. Era muito engraçado porque ele logo percebeu que eu perdia tudo em cima da mesa e quando me ouvia resmungando ou apalpando a mesa se esticava e logo achava o objeto fujão. Isso se tornou algo natural, do tipo, quase telepático. Neste exemplo, a deficiência não existia, o que existia era uma habilidade incrível em perder objetos.
Em contraponto, trago um diálogo com outra pessoa que trabalhei: o sujeito, que é psicólogo, certa vez me perguntou se eu conhecia fulano, eu disse que não. Então com um tom sarcástico ele retruca com outra pergunta:
– Como você não sabe quem é fulano? (fulano nesta época trabalhava na empresa a menos de um mês, na mesma equipe que eu, entretanto, essa equipe devia ter mais ou menos umas vinte pessoas, em um espaço compartilhado com muitas outras e que eu, neste setor, trabalhava há uns dois meses. Saliento que uma pessoa com baixa visão tem um tempo diferente para registrar/conhecer as pessoas). E então respondi:
– Você não quer que eu diga? Quer?... – ele mais uma vez retrucou:
– Quero sim... – então eu disse, com um tom meio irônico:
– Porque eu não enxergo, porque eu tenho 5% de visão... – com isso ele falou como era o fulano, mas infelizmente, não aparentou ficar desconsertado. Hoje, se eu cruzar com o fulano na rua, com certeza não serei capaz de reconhecê-lo.
Meu amigo advogado captou a essência do meu estandarte: “Esse 'confronto' será sempre o tema principal do seu dia a dia, seu inimigo nº 1, mas se não puder vencê-lo, não dê colher de chá para ele, ao menos incomode-o!” Foi o que fiz com o psicólogo, no exemplo acima.
Esse “confronto” pode se apresentar de várias formas, umas mais ofensivas, outras politizadas, em alguns momentos pode ser de forma irônica. Mas, todas têm em si a mesma essência: fazer a vida valer a pena. Trago parte de uma publicação feita por Robert Kennedy (apud BAUMAN, 2009, p.10), feita semanas antes de sua morte:
“Nosso PNB considera em seus cálculos a poluição do ar, a publicidade do fumo e as ambulâncias que rodam para coletar os feridos em nossas rodovias. Ele registra os custos dos sistemas de segurança que instalamos para proteger nossos lares e as prisões em que trancafiamos os que conseguem burlá-los. Ele leva em conta a destruição de nossas florestas de sequoias e sua substituição por uma urbanização descontrolada e caótica. Ele inclui a produção de napalm, armas nucleares e dos veículos armados usados pela polícia para reprimir a desordem urbana. Ele registra... programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos a crianças. Por outro lado, o PNB não observa a saúde de nossos filhos, a qualidade de nossa educação ou a alegria de nossos jogos. Não mede a beleza de nossa poesia e a solidez de nossos matrimônios. Não se preocupa em avaliar a qualidade de nossos debates políticos e a integridade de nossos representantes. Não considera nossa coragem, sabedoria e cultura. Nada diz sobre nossa compaixão e dedicação a nosso país. Em resumo, o PNB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena.” (grifos meus)
O “confronto” que é parte integrante do meu dia a dia, que não tem a força de uma publicação de Robert Kennedy, mas com certeza, busca pensar a realidade social e com isso a felicidade.
Ultimamente a busca pela felicidade tem sido quase uma obsessão. Do mesmo modo de como busco todos os objetos que perco, procuro tateando, em uma busca quase cega por pistas, indícios, sinais. Acredito que um dos grandes motivos da “fuga” da felicidade, em termos sociais, tenha sido muito bem descrito por Bauman (2009) no excerto abaixo:
“Observadores indicam que cerca de metade dos bens cruciais para a felicidade humana não tem preço de mercado nem pode ser adquiridos em lojas. Qualquer que seja a sua condição em matéria de dinheiro e crédito, você não vai encontrar num shopping o amor e a amizade, os prazeres da vida doméstica, a satisfação que vem de cuidar dos entes queridos ou de ajudar um vizinho em dificuldade, a autoestima proveniente do trabalho bem-feito, a satisfação do 'instinto de artífice' comum a todos nós, o reconhecimento, a simpatia e o respeito dos colegas de trabalho e outras pessoas a quem nos associamos; você não encontrará lá proteção contra as ameaças de desrespeito, desprezo, afronta e humilhação. Além disso, ganhar bastante dinheiro para adquirir esses bens que só podem ser obtidos em lojas é um ônus pesado sobre o tempo e a energia disponíveis para obter e usufruir bens não-comerciais e não-negociáveis como os que citamos acima. Pode facilmente ocorrer, e frequentemente ocorre, de as perdas excederem os ganhos e de a capacidade da renda ampliada para gerar felicidade ser superada pela infelicidade causada pela redução do acesso aos bens que 'o dinheiro não pode comprar'" (p.11-12).
Se “na pista que leva à felicidade, não existe linha de chegada” (idem, p.19) talvez, haja uma forte influência da linguagem do reconhecimento da identidade socialmente reconhecida. E “é por isso que a felicidade 'genuína, adequada e total' sempre parece residir em algum lugar à frente: tal como o horizonte, que recua quando se tenta chegar mais perto dele” (idem, p.37).
É... amigo advogado, acredito que esse “confronto” a que você se refere, seja a mola propulsora da superação, e a indignação que dá forma e força à coragem para enfrentar o estigma social. Mas não sei se concordo cegamente com Bauman... se concordar, talvez, desista no meio do caminho, exausta.
Bom final de semana.
Queridos(as) leitores(as) e amigo advogado, posso, com propriedade, dizer que sete anos depois vivo uma vida plena, pois hoje, através da arte, consigo projetar minha Alma onde meu corpo não consegue chegar; dou cores e formas aos anseios da minha Alma. Cada pincelada representa uma gama de pensamentos e emoções, que encontram na cor e na forma o equilíbrio dinâmico, assim, a arte é cura, me leva ao meu eixo, ao meu centro.
Entender o quê se quer curar é, ao mesmo tempo, enfrentar as origens das feridas e, sobretudo, ser responsável por si, sem esperar o outro, em um processo delicado e sem fim, que acontece de dentro para fora.
E para terminar, afirmo que o "confronto" citado no texto de 2013, em que disse que "pode se apresentar de várias formas, umas mais ofensivas, outras politizadas, em alguns momentos pode ser de forma irônica", em 2020, eu acrescento e essa lista a arte, a educação sensível e a formação cultural do sujeito.
Seja feliz e que teus sonhos sejam a tua realidade!
Até o próximo texto!
Bibliografia:
BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
BRAZIL, Christina Holmes. Na Linha do Horizonte... Site Inclusão: casos e causos. Publicado em 20 de novembro de 2013, 2013. Disponível em https://inclusaocec-blog.tumblr.com/post/67593169109/na-linha-do-horizonte Acesso em 18/11/2020.
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